Parceria do PRS Caatinga com ARESOL valoriza os saberes tradicionais das comunidades de Fundo de Pasto na Bahia

Anne Clinio, Patrícia Lyra | 6 de fevereiro de 2023

Tecnologias de baixo carbono complementam técnicas ancestrais utilizadas há mais de 2 séculos para promover sustentabilidade

A valorização dos saberes tradicionais, alguns seculares, é um dos destaques da parceria entre o Projeto Rural Sustentável Caatinga e a Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – ARESOL. As Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono (TecABC), promovidas pelo Projeto, estão agregando maior sustentabilidade às práticas consolidadas em mais de 200 anos de convivência com o semiárido.

Coordenador técnico Daniel Andrade

Essa constatação é da ARESOL, externada pelo coordenador técnico do PRS Caatinga na instituição, Daniel Andrade. A organização atua desde 2007 em 14 municípios baianos, distribuídos em três Territórios de Identidade (Sisal, Piemonte e Norte do Itapicuru) e escolheu dois deles, Monte Santo e Cansanção, para a execução de ações do PRS Caatinga.

A ARESOL trabalha com famílias agricultoras que utilizam técnicas tradicionais e vem aprimorando os seus modelos de produção através de capacitações, dias de campo e Assistência Técnica Rural (ATER). Agora, eles somaram as TecABC para evitar a retirada da vegetação nativa da Caatinga e conservar água e solo, mitigando desafios relacionados ao clima semiárido e os períodos de estiagem.

Daniel reforça que, através do PRS e da parceria com a FBDS, está sendo possível garantir o assessoramento técnico especializado a 60 famílias de agricultores de baixa renda e, em situação de vulnerabilidade social, que já participam de outras iniciativas da ARESOL. Essa assistência tem como foco principal o aperfeiçoamento dos modelos de produção resiliente a partir dos conhecimentos obtidos pelos técnicos no curso de especialização “Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono Fortalecendo a Convivência com o Semiárido”, promovido pelo PRS Caatinga, em parceria com a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf).

“A oferta de ATER tem um papel importante, sugerindo um redesenho do Arranjo Produtivo Local e garantindo orientação para aperfeiçoar os sistemas de criação. Além disso, as avaliações econômicas tornam os modelos de produção na Caatinga mais sustentáveis e rentáveis. Acreditamos que esse trabalho possa, um dia, servir de exemplo para outras regiões, para outros agricultores que ainda não praticam certas tecnologias. A gente tem visto e comprovado que está dando certo”, falou o coordenador técnico.

Dia de campo com agricultores e agricultoras na Bahia

Ainda segundo Daniel, quanto mais as TecABCs são utilizadas, mais ele fica convencido da sua importância. “A chegada do PRS com a oferta de assessoramento aos produtores e produtoras, com foco na agricultura regenerativa de baixa emissão de carbono, vem se consolidando na região de Euclides da Cunha. Esse trabalho em conjunto pode abrir várias portas, entre elas, o próprio mercado de crédito de carbono que está se firmando no Brasil. Os agricultores podem vir a se inserir nos próximos anos nesse mercado se receberem uma assistência técnica especializada. E essa parceria é bem estratégica por ter trazido uma abordagem pioneira na Caatinga e para nós da ARESOL é uma honra fazer parte desse trabalho, desse pioneirismo na região, principalmente pela valorização dos produtos da sociobiodiversidade”, concluiu.

Além de trabalhar com comunidades de Fundo de Pasto para a adoção da Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), outra atuação da ARESOL envolve o extrativismo sustentável de frutos nativos, como umbu, maracujá e licuri. A expectativa é que esses produtos ganhem mais espaço no mercado nos próximos anos por conta do diferencial de serem oriundos de uma agricultura regenerativa.

Daniel acredita que a partir das oportunidades abertas pelo PRS Caatinga, a associação vai conseguir se inserir em novos nichos de mercado. “Através do Projeto, acredito que vamos alcançar o mercado de consumidores conscientes, permitindo que as famílias agricultoras melhorem cada vez mais sua renda, através do aperfeiçoamento do sistema produtivo para modelos mais eficientes, que tendem a ser mais produtivos, como também pela agregação de valor aos produtos oriundos desses sistemas”, falou entusiasmado.

Unidades Demonstrativas e Multiplicadoras são espaços de mitigação da emissão de gases de efeito estufa

A ARESOL tem duas Unidades Demonstrativas (UD) em áreas de vegetação nativa. Uma de Fundo de Pasto implementada no Paredão do Lou e outra coletiva em Silgueira. Cada uma delas tem 10 ha, 7,5 ha de Manejo Florestal Silvipastoril (MSF) e 2,5 ha de recuperação de áreas degradadas (RAD). As duas UDs reúnem famílias de agricultores de baixa renda, em situação de vulnerabilidade social, articulados em outras iniciativas da ARESOL. Elas já participam de intervenções técnicas de Manejo Silvipastoril com o objetivo de melhorar a produção de forragem da vegetação nativa a partir do rebaixamento e raleamento da Caatinga e enriquecimento das áreas de pasto com plantas forrageiras nativas e plantio do capim Gripam, adaptado ao semiárido. Há ainda ações de recuperação de 2,5 ha de áreas degradadas com plantio de palma, maniçoba e cunhã, espécie de leguminosa fixadora de nitrogênio.

Agricultores participam de atividade promovida pela associação

A UD de Silgueira é o espaço onde se realizam experiências com 40 famílias que utilizam práticas agrosilvopastoris de baixo carbono para fortalecer o beneficiamento de alimentos para os animais, equilibrar sua dieta e melhorar a digestão de alimentos – o que indiretamente reduz as emissões de gases de efeito estufa. Outro investimento é a construção de uma casa de ração e de um centro de manejo que irá aperfeiçoar os cuidados com a higiene e trato dos animais e será uma estação de reprodução artificial de caprinos de leite.

Nas duas instalações, as experiências com as TecABCs estão sendo montadas com a participação dos agricultores, através de mutirões, oficinas e Dias de Campo. O que eles aprendem nas UDs, são estimulados a praticarem em suas propriedades, que foram transformadas em 20 Unidades Multiplicadoras (UM) do Projeto, cada uma com 0,5 ha de área e que recebem assistência técnica individual.

Presidente da Aresol, Seu Zito, na futura casa de ração

Tecnologias de baixo carbono ampliam horizontes de agricultores, que visam sustentabilidade ambiental e econômica

O PRS Caatinga tem ampliado o debate sobre produção agropecuária de maneira sustentável entre agricultores e agricultoras do sertão baiano por meio da parceria com a ARESOL. A associação já ofereceu várias oficinas para as famílias que participam do Projeto, entre elas: Agricultura de Baixo Carbono e Agroecologia, Barragem Base Zero (BBZ), Diálogos e Saberes na Agricultura de Baixo Carbono, Manejo Integrado de Verminose e Manejo Sustentável para uso Múltiplo, entre outras. A ARESOL também promoveu Dias de Campo sobre ensilagem e fenação, buscando aprimorar práticas de manejo silvipastoril e produzir ração para caprinos leiteiros com as espécies forrageiras que são encontradas na Caatinga.

Seu José Elias Andrade Brito, conhecido como Zito, presidente da Aresol e participante das ações do PRS Caatinga, destaca que o Projeto veio em boa hora para ampliar a discussão e a prática de uma agricultura sustentável. “Para mim, não tem outra alternativa para o semiárido baiano do que trabalhar com esse tema. A gente precisa e trabalha com essas questões, principalmente as ligadas ao clima. A degradação ambiental está cada dia maior, em decorrência de tantos anos que a gente vem trabalhando de forma errada, sem preservar a natureza e a terra. Acredito inclusive que esse Projeto deveria ser prorrogado para contemplar mais produtores. Eu estou sempre falando com outros agricultores, com agricultores que ainda não estão no Projeto sobre sua importância”, concluiu Zito.

Seu Rosenildo

Seu Rosenildo também está muito satisfeito com o que está sendo ensinado. “Eu fui uma das primeiras pessoas que se interessou em participar do Projeto que a ARESOL estava apresentando. Eu comecei devagarinho com minhas cabras, comecei a criar elas de forma diferente, do jeito que a gente foi aprendendo, um jeito diferente das outras pessoas, mas que eu tinha vontade, já apostava nesse jeito de cuidar dos bichos e da Caatinga. Eu associei na minha roça o sisal, o capim e agora vou colocar o cunhã que eu sei que é bom. Também estou gostando muito, por ser uma forma mais barata e mais fácil de cuidar dos meus animais, estou até podendo trabalhar fora também. Por isso, para mim só vejo pontos positivos nessa forma que estão nos ensinando a trabalhar, não tenho nenhum ponto negativo para apontar, inclusive eu falo na minha região que o jeito melhor de criar é desse jeito”, disse entusiasmado.

Os debates, aprendizados e ações em campo vêm qualificando o sistema de produção da ARESOL, promovendo a conservação do solo e da água, retenção de carbono no solo e plantas. Entre outras metas, a associação trabalha para aumentar a quantidade e a qualidade do leite dos produtores e produtoras rurais. A intenção é conseguir certificação para ampliar a sua comercialização com apoio da cooperativa COOPERSABOR.