Por dentro das #TecABCnaCaatinga: Conheça o sistema ILPF
, | 3 de novembro de 2021
O sistema Integração Lavoura-Pecuária-Floresta – ou apenas ILPF – permite produção mais eficiente e maior sustentabilidade
O sistema Integração Lavoura – Pecuária – Floresta (ILPF) atua em benefício do meio ambiente e do agricultor. Para falar sobre o tema, o PRS Caatinga convidou a pesquisadora Salete Alves De Moraes, da Embrapa Semiárido, para participar da série #TecABCnaCaatinga, que reúne estudiosos na disseminação de conhecimento sobre as Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono e seu potencial no bioma.
Nesta entrevista, a pesquisadora destaca que o ILPF pode resultar em uma produção mais eficiente e sustentável, fazendo também alguns alertas, como o fato de que hoje, no Brasil, estima-se que aproximadamente 70 a 80% das pastagens apresentam algum grau de degradação. Confira o que a especialista tem a dizer sobre o assunto.
PRS Caatinga – A tecnologia ILPF é uma das indicadas no Plano ABC. Do que se trata e como a sua adoção se relaciona com as mudanças climáticas?
Salete De Moraes – De acordo com o conceito do “Marco Referencial Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (iLPF)”, esta tecnologia é uma estratégia de produção que integra diferentes sistemas produtivos, agrícolas, pecuários e florestais dentro de uma mesma área. Pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou rotação, de forma que haja benefício mútuo para todas as atividades. Em resumo, a integração traz benefícios pelo aumento da complexidade e da diversidade dos sistemas de produção.
A sua adoção permite produzir de maneira mais eficiente e sustentável. As várias modalidades de ILPF permitem cultivos que produzem baixas emissões de carbono, como a introdução de leguminosas e gramíneas em cultivos consorciados e rotacionados, introdução de árvores nas pastagens etc – o que é importante em regiões que se caracterizam com altos riscos climáticos como a Caatinga.
PRS Caatinga – Como essa tecnologia se aplica no Brasil e especialmente na Caatinga?
Salete De Moraes – A adoção de sistemas integrados destinados a recuperar pastagens ou até mesmo manter sistemas produtivos complexos para o aumento da conservação e resiliência é uma estratégia antiga. Desde a década de 70, com a difusão do Sistema de Plantio Direto (SPD) no Sul do Brasil, a implementação de sistemas integrados vem crescendo e se diferenciando em modelos customizados para as diferentes regiões do país, inclusive em áreas de semiárido, onde são mais complexos e resilientes.
Por conta do risco climático cada vez mais crescente, e sabendo que regiões de clima árido e semiárido são as que vão sofrer maiores impactos, a adoção de sistemas complexos, sustentáveis e resilientes são imprescindíveis para garantir a produção agrícola sustentável nestas regiões.
“Moraes (2020) e Rodrigues (2020) recomendam que as TecABC estejam integradas às tecnologias sociais, principalmente aquelas de acesso à água, pois isso é uma necessidade de sobrevivência para o agricultor da Caatinga. Nesse contexto, as estratégias de conservação de solo e de água, tais como a cobertura e menor revolvimento do solo e o uso de terraceamento, precisam ser consideradas e podem contribuir para menores perdas de solo e para ampliar o acúmulo de água em barreiros (pequenos açudes), por exemplo.”
Saiba mais: Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga – Cadernos PRS Caatinga, 2020
PRS Caatinga – O que é o sistema CBL? Há necessidade de adaptação e existe uma área mínima para implantar o CBL?
Salete De Moraes – O sistema CBL (Caatinga – Buffel – Leucena) foi desenvolvido originalmente pelo Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semiárido (CPATSA) da Embrapa, em 1995, com o intuito de aumentar os índices produtivos e manter áreas de pastagem nativa, preservando dessa forma as áreas de Caatinga. Atualmente, esse sistema tem sido revisto e algumas ações de aumento da complexidade passaram a ser recomendadas, como a inserção de árvores nas áreas de pastagem cultivadas e o aumento da diversidade das forragens resistentes aos déficits climáticos.
Para implantar o sistema CBL, inicialmente o produtor precisa decidir qual categoria e a quantidade de animais que deseja criar, exatamente pela questão do manejo adequado da taxa de lotação. Por outro lado, existem as áreas de pastagem nativa e as de produção de forragens.
Consiste na produção de bovinos azebuados, utilizando a vegetação natural de Caatinga (C), no período de 2 a 4 meses, em que esta oferece o máximo em termos de oferta quantitativa e qualitativa de forragem, associada a uma área de capim-buffel (B), com piquetes contíguos de uma leguminosa arbustiva (L). Principais características:
- Utiliza a Caatinga como um dos seus componentes
- Utiliza pastos tolerantes à seca, em sistema rotacional, para complementar a alimentação volumosa do rebanho no restante do ano
- Utiliza feno e silagem produzidos a partir de bancos de proteína/energia para suplementar a alimentação dos animais nos períodos críticos
- Mantém uma reserva estratégica de espécies forrageiras de alta tolerância às secas mais severas para assegurar, nestes períodos, um nível satisfatório de produtividade do rebanho
- Funciona como um subsistema capaz de se adequar e interagir com os demais componentes da unidade produtiva, dentro da diversidade agroecológica e socioeconômica observada no semiárido.
PRS Caatinga – Quais são as vantagens e desvantagens da aplicação do ILPF no formato CBL na Caatinga?
Salete De Moraes – Quando o CBL foi concebido, se falava muito pouco sobre sistemas integrados na Caatinga, apesar de já haver ampla difusão dos ILP (Integração Lavoura e Pecuária) nas regiões Sul e Centro-Oeste, na recuperação de áreas que começavam a sofrer degradação por conta da de expansão das fronteiras agrícolas. Nesse contexto, foram desenvolvidos o Sistema de Plantio Direto, o “Barreirão” e a “Santa Fé”.
A introdução da ILPF em um sistema sustentável, como é o caso do CBL (Caatinga-Buffet-Leguminosa), é imperativo pois as áreas onde foram recomendadas as pastagens cultivadas requerem introdução de componente arbóreo para uso, como silvopastoril, ou até mesmo para a recuperação dessas pastagens que podem ter sofrido algum grau de degradação com o superpastejo. Os cultivos consorciados ou rotacionados também são importantes quando da implantação de um sistema CBL.
https://www.youtube.com/watch?v=n5a...
PRS Caatinga – Sendo o sistema CBL um ILPF específico para a Caatinga, como os pesquisadores chegaram a essa combinação?
Salete De Moraes – Essa pergunta é muito interessante pois muitas pessoas acreditam que o CBL foi recomendado de forma simplista, o que não é verdade. Grande parte dos estabelecimentos pecuários à época foram analisados pelo Centro de Pesquisa Agropecuária do Trópico Semi-árido (CPATSA) quanto ao zoneamento climático, tipos de solos e classes de aptidão agrícola, resultando em uma recomendação para diferentes regiões e características já mencionadas.
PRS Caatinga – Em que momento, de que forma, a pecuária é introduzida no sistema CBL?
Salete De Moraes – Esse sistema foi concebido pensando exatamente na produção animal, ou seja, a pecuária. O que nós vemos hoje, no entanto, são problemas recorrentes por conta do manejo equivocado do número de animais por hectare – o que chamamos de “taxa de lotação”. Aliado a isso, vários conceitos de como manejar o pasto ou o cuidado com os nutrientes do solo são negligenciados, aumentando o risco de degradação das pastagens, tanto nativas quanto cultivadas. Hoje, no Brasil, estima-se que aproximadamente 70 a 80% das pastagens apresentem algum grau de degradação.
A recomendação para aplicação do sistema CBL é que a recuperação – com a inserção de espécies arbóreas ou substituição das forragens por espécies mais resilientes – seja em pequenas áreas, de forma escalonada, pois o produtor normalmente não pode ficar com grandes áreas em descanso e comprometer a atividade pecuária. Quanto às áreas de produção de volumosos, os plantios dão lugar às forrageiras perenes e espécies mais adaptadas às condições de semiaridez. Já em áreas de inserção de árvores, precisamos de componentes arbóreos que se consolidem em aproximadamente dois anos depois de estabelecidas.
Produção | Meio Ambiente |
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Desvantagens: Atualmente, o sistema CBL não traz os critérios dos sistemas integrados do tipo ILPF.
Conheça nossa entrevistada:
Salete de Moraes – Possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (1997), mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (2002) e doutorado em Ciência Animal pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é Pesquisadora A da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária na unidade do Centro de Pesquisas do Trópico Semiárido em Petrolina – PE, atuando na área de Sistemas de Produção Sustentáveis e subárea Sistemas Agropastoris com enfoque em integração lavoura-pecuária e forragicultura.
Para saber mais:
BALBINO, L. C.; BARCELLOS, A. de O.; STONE, L. F. (Ed.). Marco referencial: integração lavoura-pecuária-floresta. Embrapa, Brasília, 2011. Disponível em https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/item/103901/1/balbino-01.pdf
GUIMARÃES FILHO, C.; SOARES, J.G.G; RICHE, J.R. Sistema Caatinga-Buffel-Leucena para Produção de Bovinos no Semi-árido. Petrolina, EMBRAPA-CPATSA. 1995, Circular Técnica no 34. Disponível em https://ainfo.cnptia.embrapa.br/digital/bitstream/CPATSA/7307/1/CTE34.pdf
TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020.