PRS Caatinga mostra que bioma pode ser tornar celeiro de políticas públicas para o combate à desertificação

Juliana Braga | 17 de junho de 2023

Projeto inova ao inserir instrumentos agrícolas na produção familiar, melhorando o solo

Resiliente por natureza, a Caatinga pode ser tornar um celeiro de novas políticas públicas para o combate à desertificação. O Projeto Rural Sustentável (PRS) Caatinga vem promovendo a inclusão de tecnologias de baixo carbono na cultura da agricultura familiar. Como resultado, uma produção agropecuária sustentável, um bioma com maior diversidade de espécies, aumento da renda familiar agrícola e menos danos ao Meio Ambiente.

Neste Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, o coordenador regional do PRS Caatinga, Francisco Campello, fala sobre o papel da agricultura familiar no combate a este fenômeno e como a experiência com o PRS Caatinga pode inspirar ações de conservação em todos os biomas.

Como a experiência do PRS Caatinga pode contribuir para o combate à desertificação?

Francisco Campello – O Projeto Rural Sustentável Caatinga tem apresentado resultados interessantes para as políticas públicas com relação ao combate à desertificação. O primeiro é uma atuação muito forte na questão das práticas de conservação de solo. O Brasil se posicionou pela política de degradação zero, ou seja, a neutralização dos processos de degradação do solo, por isso foi criado o Prêmio Dryland Champion. Neste contexto, o PRS Caatinga vem apresentando modelos de sistemas produtivos que asseguram, por um lado, a conservação do solo e da água, por meio de seu uso estratégico e permanente em todos os seus sistemas de práticas de conservação do solo. Por outro, com as propostas de valorização do uso sustentável da biodiversidade da Caatinga, seja como supridor de forragem para os animais, seja como fornecedor de energia na forma biomassa para as indústrias. Essa abordagem do PRS é extremamente interessante do ponto de vista das políticas públicas.

A proposta do projeto é trazer tecnologias inovadoras, as chamadas TecABC, para a rotina dos pequenos produtores rurais. Como isso impacta o combate à desertificação?

Campello – O projeto apresenta este quadro inovador dos implementos agrícolas voltados para a pequena produção. Isso faz com que o solo seja mais bem trabalhado, evitando os processos de degradação. O PRS Caatinga vem apresentando exemplos de sistemas produtivos que podem ser inseridos em políticas públicas. Os sistemas de manejo e as práticas de conservação de solo, além da questão dos implementos agrícolas adaptados à pequena produção, são sistemas produtivos modernos e que promovem a conservação ambiental.

Como isso acontece na prática?

Campello – O projeto traz uma oportunidade de demonstrar o que é trabalhar com o agricultor familiar de uma forma mais humanizada, valorizando o seu esforço físico. Ao inserir instrumentos como o tratorito, roçadeira, motosserra e perfurador de solo, que são equipamentos de baixíssimo custo, permitimos que o agricultor tenha um rendimento muito melhor. Com uma roçadeira, faz-se o rebaixamento de árvores. Com a motosserra, o radiamento certo, sem agredir a paisagem. Com os tratores e com os perfuradores, trabalha-se o solo de forma correta, evitando a erosão. Tudo isso agregando os principais vetores da desertificação, que são o desmatamento e as práticas inadequadas de produção, que resultam na perda do que há de mais precioso, o solo. Quando se troca a enxada por um tratorito, você coloca o agricultor em um ambiente moderno, por assim dizer, sem perder a característica de agricultor familiar.

Neste caso, a modernização seria um instrumento para a mitigação das mudanças climáticas?

Campello – Em termos ambientais, essa modernização permite uma condição de trabalho com menos agressão, com mais práticas de conservação do Meio Ambiente. Às vezes, as práticas deixam de ser implementadas por conta do custo ou pela demora. Aí o agricultor, na necessidade, planta de qualquer jeito. Com esses instrumentos, ele pode plantar da forma correta, mantendo todo um princípio conservacionista e aumentando a sua produtividade. E o mais importante: sem perder a característica de agricultor familiar. Estamos mostrando como é possível realizar a neutralização da degradação.

A adoção dessas novas práticas implica também em mudança de cultura. Como isso pode impactar o desenvolvimento socioeconômico da região?

Campello – Estamos mostrando a viabilidade de uma indústria adaptada a essa realidade de campo, com milhares de demandas que podem ser refletidas nos créditos, o que hoje não se vê. Um agricultor que receba do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) R$20.000 pode tranquilamente incorporar um tratorito de R$ 5.000, um perfurador de solo de R$ 1.500. Hoje, não fazem por desconhecimento e, às vezes, por conta de falta de oportunidade de acesso. Futuramente, isso vai influenciar positivamente novas indústrias que surgirem na região, já adaptadas a essa realidade.

Para muitos, a Caatinga ainda é a “mata branca”, uma floresta seca e improdutiva. Como o PRS está ajudando a mostrar o potencial produtivo e sustentável do bioma?

Campello – A partir do momento que o projeto vem fomentando o acesso ao mercado da qualificação de alguns produtos, a gente começa a construir uma outra percepção, com foco na importância desse recurso florestal para a socio economia da região. Dentro do nosso projeto temos instituições que trabalham com processos de comercialização. Então você já começa a ver que existem frutos comercializados como doces, polpa para sucos, geleias, bebidas, inclusive algumas cervejas. Além disso, a parte forrageira, que hoje está muito presente nos sistemas silvipastoril, mostra o potencial da Caatinga para uma pecuária verde. Do ponto de vista da alimentação, em termos de agricultura regenerativa, isso significa menos emissões de gases pelos ruminantes, pois a diversidade pastoril faz com que o ruminante reduza a emissão de gás. E o maior emissor de gases no setor agropecuário é a pecuária. O Sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), promovido pelo projeto, também é outro instrumento de mudança de percepção, pois o animal usa o recurso florestal para se alimentar. Outro lado positivo de uma pastagem arbórea é que não há a remoção da Caatinga para o plantio de grama, como acontece em grandes propriedades. Na Caatinga, usa-se o suporte forrageiro mantendo a cobertura florestal, a paisagem, a biodiversidade e, com isso, fortalecendo os serviços ecossistêmicos.