Por dentro das #TecABCnaCaatinga: Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN)

Patrisia Ciancio | 3 de fevereiro de 2022

Adoção da Fixação Biológica de Nitrogênio pelo agricultor demanda ampliação do acesso à informação e assistência

A Fixação Biológica de Nitrogênio (FBN) é uma Tecnologia Agrícola de Baixo Carbono (TecABC) que reduz custos na agricultura familiar e gera maior autonomia do produtor em relação ao uso de fertilizantes químicos. Ter um aporte de nitrogênio no campo significa evitar a degradação do solo, além de ser uma prática de baixo custo, sem risco ou dano à natureza. No entanto, para adotar essa tecnologia é preciso informação e assessoria técnica de qualidade. “O produtor tem que se apropriar desse conhecimento. Qualquer atividade na agricultura vai ser beneficiada pela FBN”, enfatizou o consultor em Sistemas Agroflorestais Felipe Caltabiano, que nesta entrevista detalha a Fixação Biológica de Nitrogênio e seus benefícios ambientais e sociais.

PRS Caatinga: O que é a Fixação Biológica de Nitrogênio e quais são os benefícios desta prática para as diferentes espécies de plantas, de um modo geral?

Felipe Caltabiano: A Fixação Biológica do Nitrogênio é o processo de captura do nitrogênio atmosférico por microorganismos, que pode estar associada às plantas em simbiose, como a bactérias de vida livre no solo. Os benefícios para as plantas são bem claros, já que o nitrogênio é um elemento essencial para o crescimento das espécies. Dos minerais, o nitrogênio é o mais absorvido em quantidade pela grande maioria das plantas e extremamente volátil no solo. A sua principal fonte natural é a Fixação Biológica de Nitrogênio.

FIXAÇÃO BIOLÓGICA DE NITROGÊNIO

O que é?
Consiste no enriquecimento, com o uso de inoculantes, das sementes de gramíneas e de leguminosas com bactérias diazotróficas capazes de captar o nitrogênio atmosférico. Algumas leguminosas possuem naturalmente a associação com essas bactérias fixadoras de nitrogênio e o uso destas espécies nas técnicas agrícolas de consórcio ou rotação com outras culturas é chamada de adubo verde

Funções:
Suprir a necessidade de nitrogênio das culturas reduzindo a aplicação de fertilizantes, economizando com adubo e contribuindo para a redução das emissões de óxido nitroso (N2O).

  • O uso de inoculantes também aumenta a resistência aos estresses ambientais e promove maior eficiência na absorção de água e de outros nutrientes disponíveis no solo.

FONTE: TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020

PRS Caatinga: Como acontece a FBN nos cultivos e há particularidades para o perfil agrícola da Caatinga?

Felipe Caltabiano: A fixação biológica nos cultivos acontece pela associação de espécies específicas que se associam aos microrganismos. As leguminosas são as mais conhecidas, mas nem todas são capazes de fazer a fixação. Você tem ainda bactérias que fixam nitrogênio associadas a gramíneas e as bactérias de vida livre que são estimuladas por diversas espécies de plantas. Então para promover a FBN é preciso ter as espécies que vão se associar (ou estimular) os microorganismos. Estes, por sua vez, normalmente já existem no solo, mas é sempre recomendado fazer uma inoculação para garantir a quantidade na concentração de microorganismos. Além disso, é importante ter as estirpes certas para se associar com os microrganismos.

Sobre o perfil agrícola da Caatinga, não há nenhuma particularidade. A questão é entender a situação dos solos – que no bioma está bem degradado – e o tipo de agricultura praticada. Uma agricultura que não promove a cobertura e a movimentação mínima do solo, vai ter impactos negativos muito fortes na microbiota, como é o caso da maior parte da agricultura no Brasil. Na Caatinga, esse cenário é bem predominante entre os pequenos produtores agrícolas. Na pecuária, nem tanto. Eu trabalho muito com animais na Caatinga. O pastejo nesse bioma não tem tanta movimentação de solo e isso é muito bom para os microrganismos.

Outra coisa interessante na Caatinga é a sua forte criação de pequenos ruminantes e a presença de várias espécies forrageiras arbóreas e arbustivas – que são leguminosas fixadoras de nitrogênio. Essas espécies têm um teor proteico altíssimo, justamente por fixarem nitrogênio, que é um componente-chave das proteínas. Então, há um grande potencial para os produtores utilizarem essas espécies na alimentação dos seus animais e, ainda por cima, fixarem nitrogênio para outros cultivos que podem estar contados em consórcios.

Modelo esquemático da fixação de Nitrogênio

PRS Caatinga: Por que a FBN é considerada uma tecnologia agrícola de baixo carbono e qual é a sua contribuição para a questão climática?

Felipe Caltabiano: A Fixação Biológica de Nitrogênio tem dois grandes benefícios climáticos. Primeiro, pela diminuição de emissões de gases de efeito estufa. A maior parte do nitrogênio utilizado na agricultura, que vem de fertilizantes, é sintetizado e tem que ser transportado até as propriedades. Você gasta energia para produzir o fertilizante e consome combustíveis fósseis no seu transporte de longa distância, além de ter custos de aplicação. Em segundo lugar, há também o risco de aplicação de nitrogênio em excesso, o que é extremamente danoso aos microorganismos do solo, causa degradação e diminui a capacidade fotossintética de captura de carbono. Então, no caso do fertilizante químico, você tem um gasto energético na produção e transporte. Já na fixação biológica, esses gastos não existem e você elimina o risco de excesso de nitrogênio no solo.

Foto: Valdirene dos Santos

PRS Caatinga: De que maneira a FBN se relaciona ou complementa outras TecABC?

Felipe Caltabiano: A Fixação Biológica de Nitrogênio complementa as demais TecABC. Na verdade, ela complementa qualquer tecnologia agrícola justamente porque o nitrogênio é o mineral mais absorvido pela maioria das plantas. Em qualquer cultivo, a maior parte da matéria seca na planta é composta pelo nitrogênio – ele vem depois do carbono, hidrogênio e oxigênio. Então, é preciso ter nitrogênio e a gente tem esse processo maravilhoso de fixação biológica. Ela precisa ser utilizada, pois é praticamente gratuita, não oferece risco e não gera dano ambiental, especialmente se comparamos com a aplicação de nitrogênio químico. Ela complementa qualquer cultivo agrícola ou criação pecuária. Resumindo, qualquer atividade na agricultura vai ser beneficiada pela Fixação Biológica de Nitrogênio.

PRS Caatinga: Como a FBN pode ajudar na implantação do Sistema ILPF, por exemplo?

Felipe Caltabiano: No sistema Integração Lavoura – Pecuária – Floresta, a fixação biológica vai fornecer nitrogênio para as espécies de duas maneiras. Primeiro, temos espécies com alto teor proteico, que podem ser utilizadas para alimentação animal e inclusive na criação de um banco de proteína. Em segundo lugar, ela vai ser utilizada para a própria adubação do solo. A leucena e a algaroba são duas leguminosas fixadoras de nitrogênio. É possível realizar podas menos periódicas para alimentar outras espécies que estão no sistema e que, às vezes, não são capazes de fixar nitrogênio, servindo como adubação verde. Há ainda a possibilidade de usar os ramos também para alimentação dos animais. Eu gosto de dizer que tudo que é bom para o animal é bom para as plantas também. Então, você pode alimentar animais e plantas.

FIXAÇÃO BIOLÓGICA DE NITROGÊNIO E O ADUBO VERDE

“A fixação biológica de nitrogênio (FBN) é uma TecABC utilizada para promover o enriquecimento da semente de algumas culturas com bactérias capazes de transformar o nitrogênio presente no ar em nutriente (Figura 4). As bactérias que realizam essa transformação são chamadas de diazotróficas ou nodulíferas e vivem junto com certas plantas. Algumas leguminosas possuem naturalmente a associação com essas bactérias fixadoras de nitrogênio e o uso destas espécies nas práticas agrícolas de consórcio ou rotação com outras culturas é chamada de adubo verde”.

FONTE: TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020

PRS Caatinga: E no caso da Recuperação de Áreas Degradadas (RAD)?

Felipe Caltabiano: Na Recuperação de Áreas Degradadas acontece a mesma coisa. Essas espécies vão absorver e acumular Nitrogênio, que depois vai ser disponibilizado para outras plantas. Como o maior reservatório de Nitrogênio no solo é a matéria orgânica, ambientes degradados dificilmente conseguem suprir esse elemento em quantidades satisfatórias para as plantas. Portanto, a FBN entra como estratégia chave na RAD. Espécies vegetais capazes de se associar a microrganismos fixadores de Nitrogênio têm maior capacidade de crescer nesses ambientes e, à medida que crescem e ciclam matéria orgânica, estarão redisponibilizando esse Nitrogênio para outras espécies que não têm essa capacidade de associação.

PRS Caatinga: Quais são as vantagens e os desafios da implantação da FBN especificamente para o agricultor familiar?

Felipe Caltabiano: A vantagem mais clara é a redução da utilização de fertilizantes químicos. Para alguns agricultores, o principal benefício não vai ser a redução porque eles nem usam o fertilizante. Nesse caso, a vantagem vai ser o maior aporte de nitrogênio no campo. Então, resumidamente, para quem usa fertilizante químico vai ser a redução do uso desse insumo. Já quem não usa fertilizantes, vai se beneficiar do aporte de nitrogênio no campo. Para os criadores de animais, destaco a possibilidade de montar um banco de proteínas para alimentação dos rebanhos.

Em relação aos desafios, existem alguns obstáculos a serem vencidos. Não basta simplesmente comprar uma semente de feijão, plantar e achar que vai ter uma Fixação Biológica de Nitrogênio eficiente. Para ter esse resultado, é preciso criar as condições para que a microbiota do solo se desenvolva. Pode ser necessário realizar uma inoculação do microrganismo na bactéria certa, da estirpe correta. Essa inoculação pode ser feita tanto com microrganismos selvagens, de mata, como comprados. Então o produtor precisa se apropriar desse conhecimento, ter acesso à informação sobre essa TecABC para utilizá-la de forma eficiente. Além disso, a FBN depende da disponibilidade de outros nutrientes para acontecer, especialmente cobalto, ferro, molibdênio e enxofre. Se não houver suprimento adequado desses nutrientes, a FBN não acontece.

https://www.youtube.com/watch?v=k28...

PRS Caatinga: Além dos desafios técnicos, quais são as questões sociais que envolvem o uso desta tecnologia?

Felipe Caltabiano: Quanto à questão social, eu acho que o maior desafio é o acesso ao conhecimento e a sua apropriação pelo produtor. Aí entra a questão do acesso à assistência técnica qualificada. Além disso, há a perspectiva econômica. Se o produtor se apropria dessa tecnologia, ele se torna autônomo em relação aos fertilizantes nitrogenados do mercado. Isto significa a redução de custos e maior autonomia para o produtor, pois ele passa a ter controle sobre o aporte de Nitrogênio que está sendo utilizado em seu campo.

VANTAGENSDESAFIOS
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  • Tecnologia gratuita
  • Não tem risco ambiental.
  • Não gera dano ambiental.
  • Beneficia a agricultura e a pecuária.
  • Reduz o uso de fertilizantes químicos.
  • Aumenta o aporte de Nitrogênio no campo.
  • Reduz custos.
  • Aumenta a autonomia do agricultor.
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  • Dificuldade no acesso à informação e assistência técnica qualificada pelo agricultor.
  • Sobre o entrevistado:

    Felipe Caltabiano é engenheiro agrônomo formado pela União Pioneira de Integração Social (UPIS) e consultor em sistemas agroflorestais. Há mais de 10 anos atua em projetos de assistência técnica rural, desenvolvimento, implantação e gestão de projetos agroflorestais voltados para a produção de frutas, hortaliças e animais. Tem experiência de trabalho em diversos estados brasileiros, bem como no exterior, em Moçambique e Portugal.