Entrevista - Caatinga: um importante provedor de alimentos sustentáveis

Patrisia Ciancio | 6 de junho de 2023

No Dia Mundial da Segurança dos Alimentos, diretor do PRS Caatinga fala sobre potencial do bioma

Os empreendimentos agrícolas familiares sustentáveis produzem uma ampla diversidade de atividades, que geram produtos de qualidade e que impactam positivamente o meio ambiente. Além disso, contribuem para a promoção das políticas de segurança alimentar e nutricional, geram trabalho e distribuem renda. Em outras palavras, investir e fortalecer a agricultura familiar é essencial para promover o desenvolvimento econômico, social e ambiental.

Neste cenário, a Caatinga pode se tornar um importante provedor de alimentos sustentáveis do Brasil, extrapolando os limites regionais do bioma, inclusive explorando a possibilidade de exportar seus produtos. Tamanha vocação pode ser potencializada com as tecnologias de baixo carbono, que permitem uma produção agrícola diversificada e menos agressiva para o Meio Ambiente, como explica o diretor do PRS Caatinga, Pedro Leitão, em entrevista especial neste Dia Mundial da Segurança dos Alimentos.

Que análise o senhor poderia fazer sobre a situação de insegurança alimentar no Brasil e no mundo?

Para mim, a questão da segurança alimentar pode ser vista por meio de dimensões de curto e longo prazo. Em curto prazo temos aproximadamente 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. E, no longo prazo, prevê-se que em 2050 o mundo possa ter cerca de 10 bilhões de pessoas que terão que ser alimentadas. Isso tudo em um planeta cuja condição ambiental é progressivamente mais adversa, principalmente por conta de mudanças climáticas. Se ocorrer o que a Ciência prevê com relação ao aquecimento do planeta, o mundo será menos capaz de produzir alimentos, já que as suas atuais áreas produtoras estão diminuindo. O panorama que se tem é esse. No entanto, há também iniciativas interessantes voltadas para se contrapor a esse processo. Por exemplo, o GEF (Global Environmental Facility, o Fundo Ambiental Global), na sua última rodada de projetos, sua oitava rodada, se não estou enganado, faz uma proposta de financiamento à implementação das agendas ambientais globais que estabelecem como eixo principal a ideia de que o mundo precisa de alimentos saudáveis como condição para ter uma população saudável. Com esse mote, sugere a integração de todas as agendas ambientais promovidas nas suas rodadas anteriores de financiamento a iniciativas nacionais de implementação das agendas ambientais globais, seja em prol da biodiversidade, do clima, dos mares e oceanos, da desertificação etc. Na sua última rodada, sugere que todas essas agendas juntas, contribuam para esse grande tema de convergência. A questão da segurança alimentar global amarraria a segurança hídrica, a segurança energética, a conservação da biodiversidade e o combate à desertificação. Então eu tendo a concordar com esse olhar. Parece-me ser uma abordagem correta e oportuna, inclusive por conta de suas importantes repercussões sociais.

O que o PRS Caatinga está tentando promover no bioma com as tecnologias de baixo carbono para combater os desafios da segurança alimentar?

A Caatinga, do ponto de vista climático, é o bioma que, de acordo com previsões científicas, será o mais afetado no Brasil. Todos os demais biomas nacionais serão impactados, mas a Caatinga tende a sofrer mais por conta das suas condições ambientais atuais de aridez e baixa disponibilidade de recursos hídricos. O PRS Caatinga está tentando promover é a amarração da agenda climática à agenda alimentar, por meio da promoção de tecnologias agrícolas de baixa emissão de carbono. Essas tecnologias promovem a adaptação de espécies de fauna e flora, animais e plantas em processos de produção agrícola familiar. Para isso, o Projeto teve que definir o que são tecnologias de baixo carbono adaptadas à Caatinga, desenvolver processos de capacitação de profissionais de assistência técnica rural na transmissão dessas tecnologias para o produtor rural e, finalmente, aportar meios materiais de produção (máquinas, insumos e serviços) para que o agricultor familiar produza alimentos por meio de tecnologias de baixa emissão de carbono. Com isso, o Projeto estaria alcançando o seu objetivo associado de combater mudança climática, pobreza rural e, ao mesmo tempo, enfrentar os desafios da segurança alimentar.

O Projeto contribui ainda para promover a integração ou convergência das tecnologias agrícolas de baixo carbono com a agenda agroecológica, já há tempos praticada na Caatinga, de convivência com o semiárido. A fusão ou encontro desses movimentos tecnológicos diminui o impacto da atividade produtiva no solo e demais recursos naturais, evita a emissão de carbono, fixa nitrogênio no solo, aumentando a produtividade e rentabilidade agrícola familiar. Além disso, o Projeto promove ainda as tecnologias sociais de manejo de recursos hídricos (barragens, barreirinhas etc.) e energéticos (fogões ecológicos e biodigestores) que complementam e potencializam as práticas agrícolas promovidas.

Acreditamos que as tecnologias promovidas pelo Projeto sejam mais efetivas porque estão sendo desenvolvidas com base naquilo que hoje se convenciona chamar soluções baseadas na natureza. Ou seja, tentando reproduzir e acelerar o processo de associação e de integração de espécies da fauna e flora que resultou de milênios de aprendizagem prática da própria natureza. Acreditamos que, se formos capazes de desenvolver processos produtivos de acordo com esses padrões e na escala necessária para satisfazer a crescente demanda por alimentos, estaremos contribuindo simultaneamente para aumentar a segurança alimentar, hídrica e energética.

Como o senhor poderia destacar o papel do projeto no panorama de produção de alimentos sustentáveis?

O PRS Caatinga está tentando fazer uma contribuição para que a produção da agricultura familiar do bioma se adapte às mudanças climáticas e contribuam para a segurança alimentar da sua população e de outras regiões. Até agora, o que fizemos é um piloto que tenta responder se é possível promover a tecnologia de baixa emissão de carbono no segmento agricultura familiar na Caatinga. O que o projeto está mostrando é que sim, é possível do ponto de vista tecnológico. Estamos vendo isso em campo com os nossos Arranjos Produtivos Locais.

Como o senhor enxerga a Caatinga no futuro, partindo do ponto de vista dos investimentos sustentáveis?

Esperamos que a Caatinga tenha seus produtos naturais, frutas, licuris, umbús, geléias, cervejas, carnes bovinas, caprinas, ovinas, seu mel, seus leites, seus queijos produzidos cada vez com maior qualidade, em maior escala e cada vez mais sustentáveis. Acredito que as tecnologias agrícolas de baixo carbono possam colocar a Caatinga na condição de um ator importante no panorama de produção de alimentos e, principalmente, de alimentos sustentáveis. Demonstrada essa possibilidade, o Projeto deveria ir adiante, agora para verificar se há de fato a possibilidade de potencializar e dar escala a essa produção, fazendo com que extrapole os limites regionais da Caatinga e do Nordeste, sendo capaz de suprir alguns mercados nacionais e importantes e, quem sabe, até exportar. É isso que o projeto pretende promover. Isso tudo tem por trás essa ideia de que a Caatinga possa ser um provedor de alimentos sustentáveis, voltados para contribuir para a segurança alimentar de uma população igualmente saudável.

Imagem: João Vital