Diário de Campo: PRS Caatinga percorre estados e conhece experiências dos agricultores familiares 

Anne Clinio, Patrisia Ciancio | 16 de junho de 2022

Projeto promoveu testes de aplicativo em situações reais nas comunidades rurais, verificando necessidades para implantar TecABCs

O PRS Caatinga realizou em maio um encontro itinerante que reuniu as equipes de assistência técnica das 20 organizações apoiadas pelo Projeto para implementação das Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono (TecABC) em 37 municípios do Piauí, Alagoas, Sergipe, Pernambuco e Bahia. Além disso, a equipe do PRS Caatinga percorreu cidades e aprofundou conhecimentos sobre a realidade dos agricultores familiares. Na ocasião, foram apresentadas ferramentas de registro e monitoramento de atividades rurais, incluindo testes e treinamento em um aplicativo que irá modernizar o trabalho de assistentes técnicos naquelas localidades (link matéria).

Durante o encontro, foram visitadas algumas propriedades de agricultores familiares que estão recebendo assessoria dos profissionais de assistência técnica formados pelo Programa de Capacitação em Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono (link matéria) – oferecido de forma gratuita pela parceria entre a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) para mais de 800 alunos.

Destino – Piauí: Mulheres à frente da inovação no campo

Equipe de profissionais de ATER do Celta em Betânia

A organização Celta recebeu o PRS Caatinga em Betânia do Piauí, município brasileiro com o menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país. Entre outras atividades de troca de saberes entre técnicos, visitamos a plantação do Seu Zezinho Tratorista, que está adotando as TecABC em sua propriedade com a assessoria de uma equipe completamente feminina, formada por jovens profissionais que participaram do Programa de Capacitação. Esse time é coordenado por Maria Ascelina Batista e conta com as assistentes técnicas. Francimaria Coelho, Marinalva Rodrigues, Vanessa Silva e Maria Celina Batista. Elas comentaram sobre os desafios de serem jovens mulheres à frente de processos de inovação em uma área caracterizada pelo apego à tradição e à liderança masculina.

“O protagonismo das mulheres no campo é um forte incentivo para o desenvolvimento econômico das atividades rurais. Mais do que força de trabalho, o público feminino traz uma perspectiva modernizada para o agronegócio, acerca das suas funções e dos nossos potenciais para a sociedade. Assim como os demais setores da economia, o agro está se beneficiando da crescente participação feminina”, enfatizou Francimaria, de 22 anos, que acompanha cerca de 30 produtores rurais na implantação de tecnologias de baixo carbono.

Para convencer os agricultores de que vale a pena investir na implementação das TecABC em suas propriedades, elas mostraram os resultados da adoção da Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF), que elas mesmas realizaram, durante uma oficina de capacitação, na cidade de Pintadas, em dezembro do ano passado. Após alguns poucos meses de aplicação da TecABC ILPF foi possível observar a vegetação se recuperando e mostrar um “antes” e um “depois” do processo. Foi essa imagem que conquistou o interesse de todos.

“Ver os resultados é muito gratificante. Hoje sou grata, pois percebo a valorização do meu trabalho. Já trabalhei para várias instituições com projetos no meio rural. Faça chuva ou sol, eu estou com os produtores, trabalhando junto com eles, buscando inovações, novas tecnologias para as propriedades, e mostrando resultados”, enfatizou a técnica.

Destino – Pernambuco: Profissionais compartilham experiências sobre ATER Digital

Coordenadores técnicos experimentam versão web do sistema de informação

Em Pernambuco, fomos recebidos pelas equipes das organizações Caatinga, Agrodóia e Fundação Araripe, que se reuniram no município de Ouricuri. O destaque do encontro foi a qualidade das contribuições dos profissionais de ATER no uso de aplicativos no campo. Com a pandemia, o uso desse tipo de solução digital aumentou exponencialmente, já que os profissionais precisaram se adaptar e fazer acompanhamento a distância. Os técnicos pernambucanos compartilharam experiências vivenciadas em iniciativas anteriores, como o Anater Digital (da Agência Nacional de ATER), e fizeram várias sugestões de como melhorar a solução a partir das suas experiências.

O acesso à tecnologia e à questão da conectividade no campo ainda são desafios para a plena implementação de tecnologias digitais. Por isso, para tornar viável, a solução adotada pelo PRS Caatinga não depende da disponibilidade de internet. Em locais sem conexão, os dados são armazenados localmente no celular e enviados automaticamente para uma nuvem assim que o técnico entrar em área com cobertura ou rede wi-fi. Este não é o caso do Seu Jailson e da Taciana, agricultores que receberam os profissionais de ATER em sua propriedade para compartilhamento de vivências e testes de soluções. A sua família conta com um smartphone e um pacote de dados de conexão à internet.

Destino – Alagoas: Comunidades tradicionais querem relação horizontal e duradoura com ATER

Egídio dos Santos atua como ATER junto ao Centro Dom José Brandão de Castro – CDJBC

A comunidade quilombola de Cajá dos Pretos gentilmente recebeu profissionais de ATER e a nossa equipe para testar metodologias e soluções, assim como registrar e monitorar as atividades de campo.

O Seu Bomfim, agricultor familiar que mantém sua propriedade com a ajuda da esposa e de um filho, participou dos testes e é um dos que ficaram esperançosos com as tecnologias de baixo carbono. “Tudo o que vem, vem para ajudar”, disse. No entanto, ele destacou a falta de continuidade e regularidade da assistência técnica oferecida por iniciativas anteriores como um problema recorrente. Em outras oportunidades, o agricultor teve apoio para aumentar a produtividade do cultivo de palmas em espaços menores. Além disso, aprendeu técnicas de silagem. Mas em todas essas experiências passadas, segundo Seu Bonfim, o apoio da assistência técnica foi sempre curto e pontual. E, por isso, não foi capaz de gerar os benefícios que as comunidades tanto precisam.

Egídio dos Santos, técnico agropecuário de origem indígena, que está atuando em Sergipe com o Centro Dom José Brandão de Castro – CDJBC, destacou que a proposta do PRS Caatinga de trabalhar com a agricultura de baixo carbono dialoga com a perspectiva das comunidades tradicionais de uma relação com a natureza que conserve o meio ambiente.

”Quanto menos você emite gases de efeito estufa, mais você conserva. A tecnologia indo nessa linha da conservação, ela agrega aos costumes tradicionais”, enfatizou. E complementou: “Eu me identifico com a proposta do PRS Caatinga porque enquanto a gente vê por aí a proposta do monocultivo, o Projeto propõe o ILPF, que são diversos cultivos em uma única área. A gente comunga dessa ideia”, disse Egídio.

O técnico destacou ainda a necessidade de se construir uma relação mais horizontal e de confiança com os agricultores familiares – o que demanda tempo.”Projetos assistencialistas não visualizam a solução e não valorizam as habilidades que os técnicos têm de olhar uma situação, entender o histórico, que vem de muitos anos, e procurar soluções para serem resolvidas junto com os agricultores”, sublinhou.

Destino – Bahia: Facilidade de uso de aplicativo foi destaque em testes em comunidades de Fundo de Pasto

Para a monitora estadual Déa Márcia, que participou do encontro realizado na cidade de Monte Santo, o destaque foi a facilidade de uso do aplicativo pelas organizações apoiadas pelo PRS Caatinga na Bahia. A Acoterra, organização anfitriã da reunião, levou os testes para a realidade das comunidades tradicionais de Fundo de Pasto que por laços de compadrio ou parentesco, utilizam áreas coletivas, sem cercamento, para criar pequenos animais que se alimentam da vegetação nativa.

“Essa questão, da habilidade dos técnicos, observei que foi muito fácil eles se adaptarem ao aplicativo. O que está sendo diferente no meu trabalho é fazer esse teste na comunidade de Fundo de Pasto. E lá ninguém é dono de terra nenhuma, eles trabalham unidos. As mulheres vão para o campo e fazem a colheita do licuri e voltam. Isso para mim foi o destaque, além da praticidade do aplicativo. Gostei muito”, afirmou Déa.