As contribuições da agricultura familiar nas mudanças climáticas foi o tema debatido pelo PRS Caatinga na 1ª Feira Nordestina de Agricultura Familiar 

Anne Clinio, Patrícia Lyra | 29 de junho de 2022

O evento reuniu profissionais que contribuíram para a construção de um entendimento agregador sobre o tema

O Projeto Rural Sustentável Caatinga promoveu um rico debate sobre “Contribuições da Agricultura Familiar para Reduzir Efeitos das Mudanças Climáticas” como parte da programação da 1ª Feira Nordestina de Agricultura Familiar e Economia Sustentável, em Natal, Rio Grande do Norte. O evento, organizado pelo Consórcio Nordeste, é considerado um marco para agricultura familiar, por reunir produtores e produtoras de toda a região, a acadêmia e o poder público e possibilitar a troca de saberes e sabores entre diversos agentes sociais.

A mesa redonda promovida pelo PRS Caatinga contou com representantes de vários segmentos ligados à agricultura familiar, que compartilharam suas visões sobre a contribuição desse segmento para a questão climática. O painel trouxe perspectivas diversas e apresentou o ponto de vista de uma professora, um produtor rural, das comunidades tradicionais quilombolas e indígenas, cooperativas e profissionais de assistência técnica e extensão rural (ATER). A abertura e mediação foram conduzidas pelo coordenador regional do PRS Caatinga, Francisco Campello.

Mesa redonda “Contribuições da Agricultura Familiar para Reduzir Efeitos das Mudanças Climáticas”
Foto João Vital

Perspectivas diversificadas e complementares

A primeira fala ficou a cargo do diretor do PRS Caatinga, Pedro Leitão, que trouxe informações sobre o potencial da agricultura familiar do Nordeste, ainda desconhecido por muitas pessoas. “Os números são expressivos. Uma grande parte das instituições de agricultura familiar no Brasil estão no Nordeste. “Isso significa que esse setor é relevante – fora dos pólos de exportação, as grandes propriedades e os grandes latifúndios – se somadas à produção da agricultura de propriedades de pequeno porte”. E completa: “A agricultura familiar precisa ser valorizada. Ela tem potencial para contribuir com a agenda climática se considerarmos a soma dessas pequenas propriedades. Se cada uma delas assumir ações de harmonia com os padrões sustentáveis, em conjunto, a agricultura familiar da Caatinga tem um potencial muito grande para uma agenda positiva de clima”.

O papel da educação

A mesa ganhou a contribuição da professora e ex-vice-reitora de extensão da Univasf, Dra. Lúcia Marisy, que atuou como coordenadora pedagógica do Programa de Capacitação em Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono realizado em parceria com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Lucia Marisy abordou a importância do papel da ATER. “A assistência técnica e a extensão rural têm importância fundamental no processo de comunicação de novas tecnologias, geradas pela pesquisa, essenciais ao desenvolvimento rural no sentido amplo – e, especificamente, ao desenvolvimento das atividades agropecuária, florestal e pesqueira”. Outro destaque da fala da professora foi quando ela se referiu ao processo de qualificação “O importante não é apenas um curso de formação, mas um processo continuado, que permita um permanente aperfeiçoamento e acúmulo de conhecimentos, de modo que as inovações tecnológicas, as novas alternativas técnicas desenvolvidas e as práticas criadas partir do conhecimento popular possam ser objeto de permanente socialização entre os extensionistas”. concluiu.

Comunidades tradicionais dialogam com a agricultura de baixo carbono

Os saberes tradicionais marcaram presença com a participação da quilombola Lurdinha, de Conceição das Crioulas, Salgueiro – PE,. Ela falou sobre a importância dos cuidados com a terra. “Devemos cuidar do nosso espaço, da nossa terra. Não só nos quilombos, mas em toda a Caatinga, evitando o uso dos agrotóxicos e o desmatamento. A agricultura de baixo carbono vem fazendo a gente ter uma mudança de comportamento alimentar, de forma que nós sabemos o que estamos comendo e também o que estamos dando para as outras pessoas comerem”.

A representatividade indígena ficou a cargo de Egídio dos Santos, do povo Xocó de Porto da Folha-SE, e que está atuando como extensionista rural no Centro de Assessoria e Serviços Aos/as Trabalhadores/as da Terra Dom José Brandão de Castro (CDJBC) – SE, uma das entidades apoiada pelo PRS Caatinga. Egídio vê a participação em eventos dessa natureza como uma estratégia de consolidação de políticas que gerem resultados significativos.

“É de extrema relevância para a agricultura familiar, pois fortalece o cooperativismo e o processo de comercialização, além de ser um espaço de troca de experiências, tendo como base a produção de alimentos saudáveis. E o PRS Caatinga traz uma estratégia de política estruturante que gera resultados positivos para a garantia da conservação e preservação do solo e meio ambiente como um todo. Através do desenvolvimento e aprimoramento dos Arranjos Produtivos Locais, de cada agroecossistema familiar, tendo como base as tecnologias de baixa emissão de carbono”, comentou o técnico.

A visão das cooperativas

Foto Anne Clinio

Houve também colocações do coordenador técnico da Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – Aresol, Daniel Andrade, que destacou a importância da participação em feiras voltadas para a a gricultura familiar. “Entendendo que esses são espaços estratégicos para a construção do saber e a promoção da economia solidária, pois reúnem famílias agricultoras de todo o Nordeste, levando e trazendo aprendizado”.

Sérgio Viana, da Cooperativa Mista dos Apicultores de Microrregião Simplício Mendes – Comapi, também apoiada pelo PRS Caatinga, trouxe a experiência exitosa das cooperativas do Piauí na produção e comercialização de mel orgânico e certificado e falou das peculiaridades das cooperativas no contexto das TecABC.

“Para as cooperativas, é necessário atrelar as atividades de produção às tecnologias de baixa emissão de carbono no contexto da produção para comercialização. As cooperativas que são voltadas para a agropecuária têm uma facilidade maior em absorver essas tecnologias frente às outras. O sucesso da incorporação das TecABC está em vinculá-las a atividade produtiva, de forma a vislumbrar um aumento de produção e um ganho financeiro., concluiu.

Fechando o evento com chave de ouro, o coordenador e extensionista da organização não governamental Centro de Assessoria e Apoio a Trabalhadores/as e Instituições não Governamentais Alternativas – Caatinga, Ariagildo Vieira, recitou poemas que retratam a realidade da Caatinga e suas nuances. Entre eles, o “Baião em Oração”, que fala da resiliência e do poder de reflorescer do povo e da natureza do semiárido.

Presença e interesse do poder público

A mesa redonda foi assistida por representantes do poder público que já são parceiros do PRS Caatinga e outros, com grande potencial de apoiar a iniciativa. Entre eles, o assessor do Governo Estadual do Piauí, Francisco Guedes, o assessor do Governo Estadual do Ceará, Dedé Teixeira, o diretor-presidente do Instituto de Gestão das Águas do Estado do Rio Grande do Norte (IGARN), Auricélio Costa e do diretor da EMATER-RN, Cesar Oliveira.

O coordenador regional Francisco Campello destacou a importância da presença do poder público durante a mesa redonda. “Trazer para a discussão diversos atores, sejam do poder público, sociedade civil organizada e produtores rurais agrega conhecimento as ações sustentáveis que utilizam as Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono, podendo estimular ações conjuntas que proporcionem uma melhor convivência com o semiárido”.

Francisco Guedes (camisa cinza), assessor do Governo Estadual do Piauí, prestigia o evento
Foto João Vital

Degustação de produtos da Caatinga finaliza mesa redonda

O encerramento foi em grande estilo, com a apresentação de produtos oriundos da Caatinga, tanto de artesanato como de produtos comestíveis preparados com frutos como licuri, umbu, maracujá do mato, transformados em cervejas, licores, biscoitos, sucos, doces e geleias, além de queijos, pães, doce de leite e castanhas – todos produzidos pelas organizações apoiadas pelo PRS Caatinga. A Associação dos Agricultores Familiares da Serra dos Paus Doias – Agrodóia, Aresol, Comapi, Fundo Nacional de Permanência na Terra – Funpet e Piauí Flora demonstram um pouco do resultado do trabalho de agricultores e agricultoras, que estão adotando as TecABC nas suas propriedades e produzindo alimentos que abastecem tanto o mercado interno como o de exportação.

Degustação de produtos dos APLs apoiados pelo PRS Caatinga
Foto Anne Clinio