Por dentro das #TecABCnaCaatinga: Recuperação de Áreas Degradadas (RAD)

Patrisia Ciancio | 20 de maio de 2022

Tecnologia gera vantagens como a intensificação dos sistemas produtivos, melhorando a vida das famílias na Caatinga

A Caatinga já perdeu cerca de 46% da sua vegetação original, segundo o Instituto Brasileiro de Florestas. Esse percentual é alarmante e resultado de um acúmulo de práticas inadequadas na agropecuária – como as queimadas realizadas para “limpar o terreno” -, em atividades extrativistas mal realizadas, e na retirada indiscriminada de madeira para ser usada como lenha em fogões caseiros e em indústrias de gesso, cerâmica e siderurgia. As Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono (TecABC) são uma forte aliada para reverter essa situação, pois reorientam a produção de alimentos para uma abordagem mais sustentável. Hoje, destacamos a tecnologia da Recuperação de Áreas Degradadas (RAD) como um importante investimento na regeneração da Caatinga. Acompanhe a entrevista com o especialista Igor Cezar, consultor em Pecuária leiteira sustentável.

PRS Caatinga: O que é a Recuperação de Áreas Degradadas (RAD) e quais são as suas maiores contribuições para a Caatinga?

Igor Cezar – A Recuperação de Áreas Degradadas (RAD) é uma tecnologia de baixo carbono que, como o próprio nome diz, investe na recomposição da vegetação de uma área que acumulou impactos negativos significativos. Geralmente, esses impactos são os resultados de processos produtivos mal planejados e mal executados. Nesses casos, devemos intervir para que a área volte a ter uma condição viável e, sobretudo, de uso sustentável.

Basicamente, a RAD investe na recomposição da vegetação e do solo. Ao recompor a vegetação, estamos atuando em várias questões, simultaneamente: na reconstrução da biodiversidade local, na regulação da temperatura, no ciclo da água etc. Além disso, o reflorestamento minimiza o empobrecimento e a erosão do solo, permitindo que ele volte a realizar a sua função de reter carbono.

Origens da degradação da Caatinga
  • Sobrepastejo proveniente da atividade agropastoril extensiva;
  • Extrativismo predatório, principalmente de madeira, para produção de lenha;
  • Manejo inadequado do solo e da água, provenientes da substituição da vegetação nativa por culturas agrícolas inapropriadas;
  • Queimadas utilizadas para “limpar” os terrenos, entre outras ações.

PRS Caatinga: Como acontece a RAD na prática?

Igor Cezar – Na prática, a RAD cria as condições para que uma área seja capaz de realizar um processo regenerativo e gerar vida no solo. O grau da intervenção depende do estágio de degradação da área. Se o estágio for pequeno, a intervenção pode ser mínima, com o plantar de algumas mudas de árvores para fechar clareiras. Em áreas muito degradadas, é preciso realizar o plantio mais adensado de espécies capazes de crescer nessas condições, além de fertilizar e corrigir o solo. Essas melhorias criam o microclima necessário para que outras espécies se estabeleçam de forma espontânea.

Recuperação de áreas Degradadas com Florestas (RAD-F)Recuperação de Áreas Degradadas com Pastagem (RAD-P)
Se refere a ações de reflorestamento com o plantio de espécies arbóreas arbustivas nativas. Também conhecida como recaatingamento. Visa recuperar a capacidade de uma área em produzir alimentos e/ou de matérias-primas. Isto é, torná-la capaz de garantir alimento para os rebanhos.

“Na Caatinga, o RAD-P e o RAD-F se misturam, uma vez que o conceito de pastagem formado primordialmente por gramíneas não se aplica à Caatinga porque elas sozinhas não sobrevivem à seca. Logo, é preciso contar com espécies mais adaptadas às restrições climáticas, e por isso, a pastagem na Caatinga é, na verdade, a própria floresta, com suas espécies herbáceas, arbustivas e arbóreas, nos três estratos da vegetação, a preservação do componente arbóreo é um fator importante na manutenção da produtividade das pastagens”.

Fonte: TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020.

PRS Caatinga: Por que a RAD é considerada uma Tecnologia Agrícola de Baixo Carbono e qual é o seu valor para a questão climática?

Igor Cezar – A recuperação de áreas degradadas possibilita inverter o balanço negativo de emissões de carbono. Ao degradar uma área, estamos emitindo carbono para a atmosfera de diversas formas. E as áreas degradadas, com muitas manchas de vegetação rala, não sequestram quantidades significativas de carbono no solo. Quando reflorestamos uma região, a nova vegetação passa a sequestrar carbono. Isto possibilita sair de um status de emissor de carbono para sequestrador, gerando um balanço positivo. Quanto mais verde se tem no local, maior é a quantidade de carbono sequestrado e fixado no solo.

Recaatingamento: espécies mais utilizadas
Umbuzeiro é uma das árvores plantadas na recuperação de áreas degradas na Caatinga
Foto: Pedro Leitão
  • Uvaia (Eugenia uvalha)
  • Aroeira-do-sertão (Myracrodruon urundeuva)
  • Umbuzeiro (Spondias tuberosa)
  • Ouricuri (Syagrus coronata)
  • Carnaúba (Copernicia cerifera)
  • Jurema-preta (Mimosa tenuiflora)
  • Sabiá (Mimosa caesalpiniifolia)
  • Pau-ferro/jucá (Caesalpinia ferrea var.leiostachya)
  • Ipê-amarelo (Tabebuia caraiba)
  • Caneleiro (Cenostigma macrophyllum)

Fonte: TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020.

PRS Caatinga: A RAD pode ser trabalhada com a ILPF (Integração Lavoura – Pecuária – Floresta), no caso de plantio de florestas. De que forma essas duas tecnologias podem ser combinadas?

Igor Cezar – A Integração Lavoura – Pecuária – Floresta é uma importante ferramenta para aplicação do conceito da Recuperação de Área Degradada, por conta da recomposição florestal de uma área produtiva que pode ser utilizada tanto para agricultura quanto para a pecuária sustentável. Nesse tipo de abordagem os plantios são feitos de forma sistemática combinando espécies de uso direto ou indireto, para melhorar as condições de solo e microclima, além de produzir algum tipo de recurso para o produtor.

Plantio de Florestas NativasPlantio de Florestas Comerciais
-* Reflorestamento com plantio de espécies arbóreas arbustivas nativas.

  • Promove ambiente adequado para a criação de pasto para cabras, ovelhas e abelhas, com grande oferta alimentar, água e ambiente para pastoreio, como a criação semiextensiva de rebanhos pelas comunidades tradicionais de fundo de pasto, por exemplo.
  • Seu principal objetivo é reverter a desertificação do bioma através do uso sustentável de seus recursos naturais.
  • As espécies nativas também são utilizadas em florestas comerciais e energéticas para extração de madeira e obtenção de carvão vegetal.
-* Orientada para a produção de móveis, bem como o plantio de florestas energéticas, em geral feitas com espécies exóticas como eucalipto, para suprir a demanda de lenha de fornos para produção industrial de gesso, cerâmica vermelha, ferro gusa, cal, farinha, entre outros.
  • Há diversas dificuldades de adaptação das espécies exóticas à Caatinga.
  • PRS Caatinga – A RAD pode ser implementada na floresta ou em pastagens. E na Caatinga é aplicada em floresta, porque o gado pasta solto. Qual seria a necessidade de intensificação/adaptação da pecuária, nesse caso, para aplicação da tecnologia, tanto para recuperação das áreas quanto para a alimentação animal?

    Igor Cezar – Acredito que não deveria ser diferente na Caatinga, pois em qualquer bioma o conceito de intensificação deve ser o mesmo. A diferença está na capacidade de suporte forrageiro disponível. O rebanho pode ser um grande aliado na RAD, desde que manejado de forma inteligente. Os animais têm a capacidade de ciclar grande quantidade de matéria orgânica, que ativa a biologia do solo através de seu esterco. Para que o efeito benéfico ocorra, é importante o planejamento adequado e respeito à capacidade de suporte, ao tempo de descanso e ao tempo de permanência das pastagens – sejam elas a própria Caatinga, sejam pastos formados.

    Foto: Gieele Parno

    PRS Caatinga: Quais são as vantagens e os desafios da implantação da RAD especificamente para o agricultor familiar?

    Igor Cezar – O maior desafio é o custo de implantação e possivelmente o retorno financeiro tardio, mas que apresentam como vantagens a própria intensificação do sistema produtivo que, por sua vez, melhora a qualidade de vida das famílias. Geralmente, esse tipo de intervenção demanda um aporte externo de recursos. Além disso, é importante que o agricultor planeje sua operação e desenvolva estratégias para incluir atividades produtivas que gerem retorno financeiro ao mesmo tempo em que regeneram áreas degradadas.

    Tipos de RADVantagensDesafios
    Recuperação de Áreas Degradadas com Florestas (RAD-F) / Florestas plantadas em propriedades agropecuárias -* Recupera a estrutura físicoquímica e biológica do solo.

    • Restabelece as funções ecológicas e ecossistêmicas como melhoria da qualidade da água, das nascentes, das matas ciliares, da biodiversidade e do microclima local.
    • Captura o gás carbônico da atmosfera, contribuindo para a redução dos efeitos do aquecimento global.
    -* Custo de implantação e possivelmente o retorno financeiro tardio.
    Recuperação de Áreas Degradadas com Pastagem (RAD-P) em propriedades agropecuárias -* Recupera as pastagens e mantém a sua produtividade

    • Reduz a emissão de Gases de Efeito Estufa.
    • Reduz o desmatamento para a criação de novos pastos.
    • Propicia ganhos de produtividade.
    • Aumenta a renda do produtor.
    -* Custo de implantação e possivelmente o retorno financeiro tardio.

    PRS Caatinga: Além dos desafios técnicos, quais são as questões sociais que envolvem o uso desta tecnologia?

    Igor Cezar – A Recuperação de Áreas Degradadas traz impactos importantes na qualidade de vida das famílias agricultoras no médio e longo prazo. Ao viabilizar um sistema produtivo, garante a produção de alimentos de forma sustentável e contínua. Esta condição gera credibilidade a quem vive no campo, ajudando a fixar as pessoas em áreas rurais, principalmente os jovens.

    Sobre o entrevistado:

    Igor Cezar é médico veterinário formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em reprodução de ruminantes e manejo intensivo de pastagens. Foi aluno do programa de Capacitação em Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono, promovido pela Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e atualmente cursa uma especialização em Gestão na Pecuária Leiteira. Atua como consultor na bovinocultura, com foco em planejar propriedades eficientes e sustentáveis. Sócio fundador do Adapta Group, organização que promove a regeneração, sustentabilidade e resiliência nas propriedades rurais.

    Saiba mais:

    TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono no Brasil e no Bioma Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020. Disponível em https://prscaatinga.org.br/wp-content/uploads/2021/02/Cadernos-PRS-Caatinga-Tec-ABC-na-Caatinga-25-jan_v2.pdf

    TAVARES, Bruna G.; GUIMARÃES, Giselle P.; ANTUNES, Vanina Z. Tecnologias de Agricultura de Baixo Carbono, Tecnologias Sociais, Assistência Técnica, Extensão Rural e Financiamento da Agricultura de Baixo Carbono na Caatinga. Relatório Técnico. Projeto Rural Sustentável Caatinga (PRS Caatinga). Rio de Janeiro: Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS), 2020. Disponível em https://prscaatinga.org.br/wp-content/uploads/2021/01/Cadernos-PRS-Caatinga-Analise-Transversal.pdf