Oportunidades e desafios para o mercado de carbono na Caatinga em debate

Anne Clinio, Patrisia Ciancio | 21 de novembro de 2022

Mesa-redonda promovida pelo PRS destaca as contribuições da agricultura familiar e debate pagamento por ações sustentáveis

Embora a agricultura familiar desenvolvida na Caatinga tenha forte inspiração agroecológica, destacar a contribuição positiva do pequeno produtor para as questões climáticas e inserir o bioma no debate global sobre a transição para uma agricultura regenerativa é ainda um desafio. Para movimentar esse debate, o PRS Caatinga promoveu, no dia 11 de novembro, durante o 9º Seminário Internacional de Convivência com o Semiárido, do Centro Xingó, a mesa-redonda “Oportunidades e desafios para o balanço e mercado de Carbono na agricultura familiar da Caatinga”.

Participaram da mesa-redonda os convidados Diana Signor, pesquisadora da Embrapa Semiárido, Vladimir Oganauskas, representante da Companhia de Ação Rural e Desenvolvimento – CAR/ Bahia Produtiva, Mariana Oliveira, gerente do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do World Resources Institute – WRI, e Valdirene Oliveira, presidente da Cooperativa Ser do Sertão. A moderação foi feita por Renata Barreto, coordenadora científica do PRS Caatinga. A mesa-redonda promovida pelo PRS destacou as contribuições da agricultura familiar e debateu o pagamento por ações sustentáveis no bioma.

Embrapa afirma o potencial da Caatinga para sequestrar carbono

Diana Signor, Embrapa

Diana Signor, pesquisadora da Embrapa Semiárido, iniciou sua fala apresentando os processos naturais do ciclo de carbono na Terra, destacando que este é um gás necessário à vida, mas que começa a trazer problemas quando se acumula excessivamente na atmosfera. “Nesse sentido, uma estratégia importante ao desenvolvermos nossas atividades é manter o carbono no solo. No contexto de redução de emissões, o solo é um reservatório importante, que acumula o carbono de maneira estável”, enfatizou.

A especialista compartilhou dois estudos que demonstram que o bioma Caatinga não deixa a desejar quando se trata da sua capacidade de guardar carbono no solo. As pesquisas avaliaram diversos tipos de usos agrícolas e identificaram que, com estratégias de sustentabilidade, é possível manter estoques importantes de carbono, inclusive evitando a abertura de novas áreas.

Áreas trabalhadas com sistemas de integração têm um estoque de carbono próximo ao de áreas de Caatinga preservada. Em culturas anuais, estratégias de menor revolvimento ajudam a manter o carbono, como por exemplo vem sendo realizado pela Embrapa no cultivo de algodão com a tecnologia de Sistema de Plantio Direto.

A agricultura desenvolvida no bioma pode acumular carbono no solo, segundo Diana. “Isso é viável na Caatinga e a gente pode promover essa prática usando espécies diferentes, trabalhando diversidade e revolvendo menos o solo”, disse em uma de suas falas, destacando que “No Plano ABC+, lançado pelo Ministério da Agricultura, há várias metas que são perfeitamente adaptáveis para nossa região”, complementou.

A mediadora Renata Barreto destacou a relevância das tecnologias de baixo carbono na agenda de redução de carbono e o pioneirismo da Caatinga em tecnologias de integração. “Se nos outros biomas a integração com a floresta é o componente mais difícil, na Caatinga temos essa integração por necessidade. Isso acontece muito antes do debate das tecnologias de baixo carbono. Aqui, o plantio e a pastagem são feitos dentro da própria floresta. O componente florestal é muito forte. Saber manejar a nossa floresta é muito importante. Temos que mostrar o nosso potencial, desde atividades de produção até o mercado de carbono”, enfatizou.

Governança comunitária é fundamental para garantir diversidade, equidade e inclusão

Mariana Oliveira, WRI

Esta década é decisiva para mudar a maneira como a humanidade vive e desenvolve suas atividades, diminuindo os impactos negativos no clima, cuja temperatura já aumentou em 1ºC e atinge os países e, sobretudo, as pessoas de maneira desigual – nos parâmetros da justiça climática.

Mariana Oliveira, gerente do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura da World Resources Institute – WRI, apresentou as diferenças entre Mercado Regulado de carbono, ordenado por governos, e o Mercado Voluntário, no qual empresas decidem, por conta própria, compensar suas emissões, comprando créditos de quem é capaz de provar que está retirando carbono da atmosfera. Há três principais abordagens: o mecanismo Redd+, de combate ao desmatamento, o Aflorestamento (AR), com obtenção de créditos com plantio de florestas plantadas ou restauração de áreas, e a Manejo Área Agrícola, com intensificação de atividades agropecuárias.

– Estamos começando a trilhar um caminho de mercado regulado. Precisamos trabalhar gerando pesquisa, estabelecendo boas linhas de base, criando um ambiente favorável para que esse mercado regulado se consolide no Brasil. A empresa tem que compensar, mas tem que reduzir. Não adianta dizer que vai comprar crédito de carbono se não mudar nada no seu processo. Precisamos de um olhar de longo prazo e entender que se a gente continuar fazendo tudo do mesmo modo, a gente não vai mudar de fato -, disparou Mariana.

Segundo a especialista, a agricultura de baixo carbono tem papel relevante na redução, até 2030, das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE). “Cerca de 44% das grandes fontes de emissão do Brasil estão relacionadas ao uso da terra. Ou seja, somos uma nação que está conectada com a terra. Mas a gente está lidando com ela de uma forma exploratória. Precisamos mudar isso para conseguir melhores meios de vida”, assinalou.

Retomando o tema do encontro, Mariana destacou a necessidade da organização coletiva e, especialmente o engajamento de mulheres e jovens, para participar desse processo, incluindo a possibilidade de certificação de territórios para venda de créditos, por meio de projetos agregados, evitando inclusive os atravessadores de carbono.”Sabendo o valor do cooperativismo, das associações, é fundamental garantir um carbono de qualidade”, disse.

Carbono é uma das unidades para medir a sustentabilidade ambiental

Vladimir Oganauskas, CAR/Bahia Produtiva

Vladimir Oganauskas, representante da Companhia de Ação Rural e Desenvolvimento – CAR/ Bahia Produtiva, iniciou sua participação na mesa-redonda destacando que o projeto investiu nos últimos seis anos cerca de R$ 1.5 bilhão na agricultura familiar e que vem adotando o tema do mercado de carbono nas suas ações no estado.

O especialista considerou que o carbono (ou carbono equivalente) se tornou uma nova unidade de medida que nos ajuda a mensurar a qualidade ambiental das atividades por meio do balanço – positivo ou negativo. Desmatamento, solo exposto, aragem do solo, criação inadequada de animais são algumas práticas emissoras de carbono na Caatinga e em outros biomas brasileiros. No entanto, destacou que a agricultura familiar não é a principal responsável pelos impactos negativos que estamos vivendo hoje. “Ao contrário, a agricultura familiar sempre foi resistência, sempre foi uma referência em diversas lutas, inclusive sobre colocar comida na mesa do povo brasileiro”, enfatizou.

A liderança do Bahia Produtiva chamou atenção para a complexidade do mercado de carbono, que envolve governos, famílias agricultoras, cooperativas, certificadoras, agentes financeiros, compradores que desejam reduzir suas emissões, além de pesquisa e metodologias. Nesse sentido, destacou a necessidade de incluir na legislação a possibilidade de certificações participativas de carbono e a isenção fiscal de produtores que trabalham com agricultura de baixo carbono. O especialista sugeriu ainda que, tomando como base a perspectiva da agricultura familiar, se deve priorizar o Pagamento de Serviços Ambientais (PSA). Esse foco seria incluído na formulação de projetos, visando facilitar esse tipo de pagamento.

Cooperativismo pode ser alternativa para acessar mercado de carbono

Valdirene Oliveira, Ser do Sertão

A presidente da Cooperativa Ser do Sertão, Valdirene Oliveira, apresentou um estudo de caso sobre monitoramento de carbono pela sua organização com a metodologia GHG Protocol da WRI e o Ex-Act, da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura – FAO em inglês. A especialista compartilhou fotos de implementações de tecnologias agrícolas de baixo carbono pela Ser do Sertão.

“Hoje não tem como atuarmos sem as tecnologias agrícolas de baixo carbono. O biodigestor, feito em parceria com o PRS Caatinga, por exemplo, está dando uma grande visibilidade às tecnologias e à importância do cooperativismo. Muitos produtores ainda não sabem lidar ou sequer discutir a questão do carbono”, afirmou Valdirene.

Para a liderança da Ser do Sertão, a cooperativa é a via para que os agricultores familiares acessem o mercado de carbono a partir da sua articulação coletiva, e principalmente porque os cooperados são donos de seu próprio negócio.“As cooperativas agropecuárias sabem que não dá para trabalhar sozinhas. Por isso, nesta mesa temos a Embrapa, que tem uma estrutura de pesquisa fantástica, temos a WRI, que tem visão e tecnologias de acompanhamento de projeto; o Bahia Produtiva, que está dentro do recorte ABC”, concluiu.

Veja o debate na íntegra em:

https://www.youtube.com/watch?v=70S...