Agricultura Familiar e TecABC potencializam biodiversidade da Caatinga

Patrisia Ciancio | 22 de maio de 2023

Conheça a experiência da Aresol em promover o extrativismo sustentável no semiárido mais biodiverso do mundo

A Caatinga é o bioma semiárido mais biodiverso do mundo, segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. E a sua biodiversidade de espécies nativas cria oportunidades para o extrativismo sustentável, que beneficia e comercializa produtos como o umbu, o licuri, o caju e o maracujá, a partir de cooperativas de produtores. A Associação Regional dos Grupos Solidários de Geração de Renda – ARESOL, parceira do PRS Caatinga, está inteiramente inserida nessa dinâmica, unindo biodiversidade e Tecnologias Agrícolas de Baixo Carbono (TecABCs) para agregar valor às atividades econômicas locais. “A Agricultura Familiar é um setor extremamente estratégico quando se fala em desenhar modelos sustentáveis”, enfatizou Daniel Andrade Brito, coordenador técnico PRS Caatinga/Aresol. Neste Dia Internacional da Biodiversidade, comemorado em 22 de maio, confira a entrevista com o especialista.

Que produtos a Caatinga possui como genuínos, representando a biodiversidade do semiárido, e como eles têm sido utilizados em termos de beneficiamento e comercialização?

Aqui na região do território do Sisal, na Bahia, a Aresol atua fortemente com o extrativismo sustentável de algumas frutas nativas. Principalmente o umbu, o maracujá do mato ou maracujá de boi e o licuri, em parceria com a Acoterra e a Escola Família Agrícola do Sertão. A gente tem conseguido organizar esse trabalho nas comunidades e também estamos nos organizando enquanto cooperativa para fazer todo o ciclo da produção. Orientar as famílias quanto às boas práticas da extração sustentável, respeitando os princípios da economia solidária, do comércio justo, fortalecendo a organização comunitária, mas também organizando o beneficiamento para fazer agregação de valor. Então, no caso do umbu, por exemplo, a gente fundou uma cooperativa em 2014. Essa cooperativa construiu uma agroindústria, hoje certificada, e ela consegue produzir em torno de 6 mil quilos de frutas por semana. Com relação ao maracujá é a mesma coisa, ele é beneficiado através da agroindústria da COOPERSABOR. E no caso do licuri, existe uma outra agroindústria gerida pela ACOTERRA que o aproveita de forma integral. A casca da amêndoa, que é a parte mais rígida, hoje é utilizada mais para incineração, comercializada para as indústrias de cimento, principalmente, para queima, como fonte de calor, de biomassa. A amêndoa é processada para formar óleos e comidas diversas. E o rejeito desse processo da amêndoa, do qual vai extrair o óleo, também é utilizado na ração animal. Então, a gente consegue gerar uma economia e fortalecer bem a economia local a partir do extrativismo sustentável e da valorização da Caatinga.

Nesse cenário, como se desenvolve a parceria com o PRS Caatinga e de que forma as tecnologias de baixo carbono estão criando novas oportunidades na região?

Através do PRS Caatinga e da parceria com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável está sendo possível garantir o assessoramento técnico especializado a 60 famílias de agricultores de baixa renda e, em situação de vulnerabilidade social, que já participam de outras iniciativas da Aresol. Essa assistência tem como foco principal o aperfeiçoamento dos modelos de produção resilientes a partir dos conhecimentos obtidos pelos técnicos no curso de especialização “Tecnologias Agrícolas de Baixa Emissão de Carbono Fortalecendo a Convivência com o Semiárido”, promovido pelo PRS Caatinga, em parceria com a Universidade Federal do Vale do São Francisco. E no que diz respeito ao nosso caso aqui, além dos produtos do extrativismo, a agricultura familiar se destaca de maneira mais intensamente pela sua diversidade. Além do umbu, do maracujá, do licuri, nós temos a agricultura de sequeiro, de feijão, milho, melancia, mandioca. Temos a caprinocultura, de corte e de leite, e a bovinocultura, que garantem a maior parte da alimentação das famílias. Então, é um segmento extremamente importante. E aí é uma pena que essa produção vem cada ano se contrastando com o avanço dos alimentos ultraprocessados, desse processo de invasão cultural que cada ano tem aumentado. A gente sabe que esses alimentos ultraprocessados, com grande quantidade de conservantes, oriundos na sua maioria de alimentos transgênicos, com uso intensivo de herbicida, de inseticidas, têm uma relação direta com o surgimento de doenças crônicas na população. Daí a importância de a gente também fortalecer cada vez mais a agricultura familiar. É neste segmento que a gente vai poder garantir uma alimentação saudável e automaticamente uma vida mais saudável. Até porque, eu, na condição de agrônomo, sei que a qualidade de vida é feita pela boca.

Nesse mosaico da biodoversidade da Caatinga, como a agricultura familiar tem conseguido produzir alimentos conservando as paisagens, sendo também a base para a segurança alimentar?

A gente é um pouco suspeito para falar por ser o nosso segmento, mas a gente sabe que quando se fala em agricultura regenerativa, quando se fala em segurança alimentar, automaticamente isso nos remete à agricultura familiar. Por ser um segmento que tem conseguido produzir diversidade, tem conseguido produzir alimentos de verdade, conservando as paisagens, conservando os recursos naturais. E às vezes a agricultura familiar é taxada de improdutiva justamente por não seguir uma lógica mercantilista. Mas é nesse segmento que os grupos familiares conseguem alimentar suas famílias, conseguem alimentar suas comunidades, conseguem girar a economia local através dos circuitos curtos de comercialização. E é um setor extremamente estratégico quando se fala em desenhar modelos sustentáveis.